LIVRO 2 - METODOLOGIA DO ENSINO DA MATEMÁTICA

3. CONTRATO DIDÁTICO

Conceito

O contrato didático é definido por Guy Brousseau (1982) como um conjunto de comportamentos esperados entre alunos e professor, sendo mediados pelo saber, ou seja, é o instrumento que auxilia nas relações entre professor, aluno e conhecimento.

Não podemos aqui confundir contrato didático com plano de ensino, que é um instrumento que norteia a prática docente, auxiliando o professor a alinhar seus objetivos, com os conteúdos a serem trabalhados e as metas que pretende atingir com os alunos. Também não podemos confundir contrato didático com os combinados de sala de aula, que são regras atitudinais e comportamentais que devem ser seguidas pela turma para o bom andamento das aulas.

 

Como estabelecer um contrato didático? Qual sua importância?

Para compreender melhor tanto o princípio de um contrato didático quanto a sua importância, faz-se necessário que a sua construção se dê com a participação dos alunos.
Essa construção pode se dar através de um debate ou uma dinâmica, nela os alunos colocarão as regras que consideram importantes para o bom funcionamento das aulas. Esse debate deve sempre ser mediado pelo professor, a fim de manter o foco na discussão e para que todos tenham a chance de expor suas ideias.

É possível retirar duas vantagens de um contrato didático estabelecido desta forma:
• valorização do saber do estudante, proporcionando uma maior interação entre ele e o professor, colaborando para a participação dos alunos nas aulas;
• em casos de quebra das regras, o professor poderá relembrar os alunos que aquela regra infringida foi ressaltada por eles, ou seja, eles estão indo contra o próprio discurso.

 

 

Na prática

Vamos utilizar como exemplo uma pesquisa realizada pela professora Kátia Maria de Medeiros, no artigo "O contrato didático e a resolução de problemas matemáticos em sala de aula" (2001).

A pesquisadora aplicou sua pesquisa em uma turma de 5ª série de uma escola pertencente à rede pública estadual e localizada na Região Metropolitana do Recife. A professora da turma elaborou seis problemas fechados (que possui uma única forma de resolução) e a pesquisadora aplicou outra série de problemas que denominou como abertos, possuindo várias formas de se chegar na resposta. Assumindo assim algumas regras para o contrato didático de cada uma das modalidades de problemas aplicados.

Para os problemas fechados:

  • resolver pela aplicação de um ou mais algoritmos;
  • encontrar a operação “certa” e realizá-la sem erro;
  • utilizar palavras como ganhar, na adição, e perder na subtração permitem ao aluno “adivinhar” a operação a fazer (transformar a linguagem usual em linguagem matemática);
  • todos os dados necessários à resolução do problema se encontram no enunciado e raramente se encontram dados inúteis;
  • relacionar com conteúdo ou algoritmo visto em sala de aula;
  • os números e as soluções são simples;
  • o contexto do problema, em geral, não tem nada a ver com a realidade cotidiana.

Nessa atividade, o objetivo é ver se os alunos entenderam. É sempre possível encontrar uma resposta para uma questão matemática, colocada através desses problemas, e o professor a conhece antecipadamente. Então, o aluno deve sempre encontrar uma solução que pode ser corrigida.

Observamos, ao longo dessas sessões, que o professor sempre enfatizava que os alunos deviam colocar o problema na linguagem matemática e tentar analisar que tipo de operação iriam realizar em cada problema. Os alunos perguntavam se era "de mais" ou "de menos". Portanto, era claro que a busca da operação "certa" era uma das regras do contrato didático, presentes em cada uma das fases do experimento (a primeira com problemas fechados e a segunda com problemas abertos). Os resultados da produção escrita dos alunos, mostraram que os procedimentos mais utilizados foram aqueles que se referiam às operações estudadas nos últimos conteúdos apresentados (adição, subtração e multiplicação). O tempo de resolução desses problemas foi muito curto (cerca de 15 minutos, em cada sessão), o que pode indicar que o aluno já tinha expectativas na hora de resolvê-los.

O contrato didático para solução de problemas matemáticos

Ao trabalhar com os problemas matemáticos em uma atividade diferente da usual, novas regras de contrato didático poderão ser estabelecidas, para problemas abertos por exemplo, pode-se delimitar algumas regras, como:

  • não terem vínculo com os últimos conteúdos estudados, evitando as regras de contrato didático já arraigadas;
  • por estarem em um domínio conceitual familiar, os problemas abertos permitem que o aluno tenha condições de resolvê-los;
  • por possuírem enunciado curto, os problemas abertos podem permitir ao aluno conquistar as primeiras idéias em um novo estudo;
  • Isso pode dar a impressão, bem vinda, que o problema é de fácil solução, fazendo com que o aluno viva a necessidade da busca dessa solução;
  •  um problema aberto também possui uma ou mais soluções;
  • pode ser trabalhado em grupo, evitando eventuais desencorajamentos, diminuindo o medo de não conseguir resolver, aumentando a chance de produção de conjecturas num intervalo de tempo razoável e possibilitando o surgimento de ricos conflitos sócio cognitivos.

Um problema aberto tem por objetivo permitir que o aluno desenvolva um processo de resolução de problemas que nós chamaremos "processo científico", ou seja, um processo no qual o aluno desenvolverá a capacidade de tentar, supor, testar e provar o que for proposto como solução para o problema, implicando uma oposição aos problemas fechados.

Mostrou que o professor não apresentou mudança significativa no seu comportamento em relação aos alunos. O que ele fazia nas sessões anteriores, dirigindo-se a um aluno, fez em relação ao grupo. Ele circulava pela sala e atendia ao grupo que o chamava; lia o enunciado; explicava o significado de termos e de figuras, quando 13 havia. E enfatizou, algumas vezes, nessas sessões, que queria saber como é que o aluno chegou à resposta; essa era uma nova regra de contrato didático. O fato dos alunos estarem em grupo, não pareceu alterar muito a interação entre eles. Não ocorreram conflitos sócio cognitivos em qualquer das sessões dessa fase. Não identificamos grandes alterações no contrato didático em relação aos problemas fechados. O que pudemos notar, durante as sessões, foram pequenas alterações, como: um maior tempo para a resolução em algumas sessões, busca de soluções por tentativas e, em alguns casos, resolução, sem recorrer, unicamente, aos números do enunciado. Essas alterações apontam possibilidades de mudança na negociação da resolução do problema entre o aluno e o professor.

Segundo a autora: "A cada novo conhecimento, o contrato é renovado e renegociado. Na maior parte das vezes, essa negociação passa despercebida. Assim, por exemplo, o contrato didático da aula de álgebra, não será o mesmo da aula de geometria. O professor poderá mostrar-se mais ou menos confortável com um determinado conteúdo e isso vai interferir no estabelecimento de regras explícitas e implícitas com o aluno. Essa disposição do professor em relação a um conhecimento permite-nos considerar a importância da noção de relação ao conhecimento no estabelecimento de um contrato didático."

 

 

 

Leitura complementar

Artigo de Guy Brousseau na Nova Escola.

  Contrato didático: o "não dito" é essencial