LIVRO 2 - METODOLOGIA DO ENSINO DA MATEMÁTICA
Site: | Moodle - IFSC |
Curso: | 20.1 - Metodologia do Ensino da Matemática |
Livro: | LIVRO 2 - METODOLOGIA DO ENSINO DA MATEMÁTICA |
Impresso por: | Usuário visitante |
Data: | sábado, 9 Nov 2024, 20:48 |
1. METODOLOGIA DO ENSINO DA MATEMÁTICA
Neste segundo livro, apresentaremos algumas das concepções metodológicas do ensino da matemática.
Iniciaremos conceituando Transposição didática; em seguida, vamos verificar como se constrói um contrato didático. Na sequência, vamos identificar os obstáculos epistemológicos da educação matemática e de que forma se constrói uma situação didática.
2. TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA
VIDEO DE APRESENTAÇÃO PODE SER 1 A 3 MIN
A Transposição Didática é o movimento de transformar um conhecimento científico em um objeto de ensino. Transposição Didática é "um processo no qual os conhecimentos científicos sofrem um conjunto de transformações adaptativas, tornando-se um conhecimento pronto para ser ensinado." (CIVIEIRO e SANT'ANA, 2013)
A partir de um tema ou um problema gerador, o professor avalia os conteúdos que podem ser trabalhados utilizando aquele conhecimento. Após esta etapa, realiza as adaptações ou simplificações necessárias e aplica em sala de aula.
Na prática
Para ilustrar melhor, vamos utilizar um dos exemplos trazidos pelas professoras Paula Andrea Grawieski Civiero e Marilaine de Fraga Sant’Ana, citado no artigo "Roteiros de Aprendizagem a partir da Transposição Didática Reflexiva", a transposição didática foi realizada a partir de trabalhos do Projeto de Iniciação Científica, produzidos no IFC – Campus Rio do Sul.
Vamos dividir o exemplo em três tópicos:
- Problema: que aborda os conhecimentos científicos envolvidos, com as características técnicas da pesquisa realizada.
- Materiais e métodos utilizados: descreve todos os materiais e a metodologia adotados no trabalho.
- Transposição didática: apresentam a análise matemática dos dados e como podemos utilizá-los em sala de aula.
O presente trabalho teve como objetivo realizar uma comparação da resistência ao armazenamento entre as cebolas (Allium cepa) roxas e crioulas. Para tanto, realizou-se o experimento em uma pequena propriedade em Leoberto Leal, com a semeadura de uma variedade de cebola roxa e outra variedade de cebola crioula, em canteiros convencionais cobertos com serragem. Quando as mudas atingiram em torno de 0,2 m de altura e diâmetro de um lápis, foram transplantadas para a lavoura, no dia 15/07/04. Para o transplantio, foram abertos os sulcos com 0,04 m de largura e 0,07 m de profundidade. Estes foram feitos com enxada rotocar acoplada a uma rotativa de trator. Na lavoura, as variedades receberam o mesmo tratamento. A colheita foi feita manualmente no dia 13/12/04, sendo que, após a colheita, a cebola ficou por alguns dias na lavoura passando pelo processo de cura. Depois foram transportadas em caixas plásticas para o galpão, ficando armazenadas em estaleiros de madeira, em camadas com 0,4 m de espessura e com espaço entre os estaleiros de 0,1 m, possibilitando assim a passagem do ar. Iniciaram-se as pesagens no dia 18/12/04, quinzenalmente, até o dia 30/05/05, quando se encerrou o experimento. Constatou-se que as médias de preço pago ao produtor na safra 2004/2005 durante a comercialização na entressafra foram relativamente baixas. Concluímos, então, que os produtores que comercializaram a cebola no momento da colheita ou, logo após, tiveram lucros maiores se comparados àqueles que armazenaram a cebola e comercializaram na entressafra.
A cebola foi semeada na cidade de Leoberto Leal, em canteiros convencionais cobertos com serragem, no dia 10 de junho de 2004, sendo transplantada para a lavoura em 15 de agosto, em uma área de 4 m2. Foram plantadas 100 mudas, 50 mudas de cebola crioula e 50 de roxa. O espaço entre plantas foi de 0,12 m e entre linhas de 0,33 m. Duas semanas antes do plantio foi realizada a calagem com calcário calcítico na proporção de 5 ton/ha do terreno, ou seja, 2 kg para os 4 m do experimento, aumentando o pH para 6,0.
No item anterior, já percebemos a Matemática envolvida no problema e como ela é fundamental. Para salientar melhor da necessidade da Matemática, as autoras apresentam um quadro que contém um comparativo entre alguns dados referentes ao problema trabalhado.
Após apresentados os dados quantitativos, podemos realizar a sua análise matemática. A partir desse ponto, os encaminhamentos podem ser diversos, dependendo da necessidade de cada professor e nível de ensino. Apresentamos aqui as sugestões dadas pelas autoras.
Primeiramente, deve-se realizar uma interpretação dos dados apresentados acima e buscar conteúdos matemáticos para auxiliar nessa tarefa. Sugere-se ao professor "o estudo das funções, provocando a busca da função que melhor descreva a situação. É importante que se faça essa etapa com o aluno, para que se efetive um cenário para investigação, que deve explorar o programa Excel, ou outro programa que cumpra o mesmo propósito e chegue aos seus próprios resultados". Após traçados os pontos que fornecem o tempo de armazenamento (x) e a perda de massa (y) dos tipos de cebola, podemos encontrar a função que melhor se aproxima dos pontos, obtendo assim o gráfico da função referente a perdas de massa das cebolas no período.
Leitura complementar
Artigo citado no texto das autoras Paula Andrea Grawieski Civiero e Marilaine de Fraga Sant’Ana.
Roteiros de Aprendizagem a partir da Transposição Didática Reflexiva3. CONTRATO DIDÁTICO
O contrato didático é definido por Guy Brousseau (1982) como um conjunto de comportamentos esperados entre alunos e professor, sendo mediados pelo saber, ou seja, é o instrumento que auxilia nas relações entre professor, aluno e conhecimento.
Não podemos aqui confundir contrato didático com plano de ensino, que é um instrumento que norteia a prática docente, auxiliando o professor a alinhar seus objetivos, com os conteúdos a serem trabalhados e as metas que pretende atingir com os alunos. Também não podemos confundir contrato didático com os combinados de sala de aula, que são regras atitudinais e comportamentais que devem ser seguidas pela turma para o bom andamento das aulas.
Para compreender melhor tanto o princípio de um contrato didático quanto a sua importância, faz-se necessário que a sua construção se dê com a participação dos alunos.
Essa construção pode se dar através de um debate ou uma dinâmica, nela os alunos colocarão as regras que consideram importantes para o bom funcionamento das aulas. Esse debate deve sempre ser mediado pelo professor, a fim de manter o foco na discussão e para que todos tenham a chance de expor suas ideias.
É possível retirar duas vantagens de um contrato didático estabelecido desta forma:
• valorização do saber do estudante, proporcionando uma maior interação entre ele e o professor, colaborando para a participação dos alunos nas aulas;
• em casos de quebra das regras, o professor poderá relembrar os alunos que aquela regra infringida foi ressaltada por eles, ou seja, eles estão indo contra o próprio discurso.
Na prática
Vamos utilizar como exemplo uma pesquisa realizada pela professora Kátia Maria de Medeiros, no artigo "O contrato didático e a resolução de problemas matemáticos em sala de aula" (2001).
A pesquisadora aplicou sua pesquisa em uma turma de 5ª série de uma escola pertencente à rede pública estadual e localizada na Região Metropolitana do Recife. A professora da turma elaborou seis problemas fechados (que possui uma única forma de resolução) e a pesquisadora aplicou outra série de problemas que denominou como abertos, possuindo várias formas de se chegar na resposta. Assumindo assim algumas regras para o contrato didático de cada uma das modalidades de problemas aplicados.
Para os problemas fechados:
- resolver pela aplicação de um ou mais algoritmos;
- encontrar a operação “certa” e realizá-la sem erro;
- utilizar palavras como ganhar, na adição, e perder na subtração permitem ao aluno “adivinhar” a operação a fazer (transformar a linguagem usual em linguagem matemática);
- todos os dados necessários à resolução do problema se encontram no enunciado e raramente se encontram dados inúteis;
- relacionar com conteúdo ou algoritmo visto em sala de aula;
- os números e as soluções são simples;
- o contexto do problema, em geral, não tem nada a ver com a realidade cotidiana.
Nessa atividade, o objetivo é ver se os alunos entenderam. É sempre possível encontrar uma resposta para uma questão matemática, colocada através desses problemas, e o professor a conhece antecipadamente. Então, o aluno deve sempre encontrar uma solução que pode ser corrigida.
Observamos, ao longo dessas sessões, que o professor sempre enfatizava que os alunos deviam colocar o problema na linguagem matemática e tentar analisar que tipo de operação iriam realizar em cada problema. Os alunos perguntavam se era "de mais" ou "de menos". Portanto, era claro que a busca da operação "certa" era uma das regras do contrato didático, presentes em cada uma das fases do experimento (a primeira com problemas fechados e a segunda com problemas abertos). Os resultados da produção escrita dos alunos, mostraram que os procedimentos mais utilizados foram aqueles que se referiam às operações estudadas nos últimos conteúdos apresentados (adição, subtração e multiplicação). O tempo de resolução desses problemas foi muito curto (cerca de 15 minutos, em cada sessão), o que pode indicar que o aluno já tinha expectativas na hora de resolvê-los.
Ao trabalhar com os problemas matemáticos em uma atividade diferente da usual, novas regras de contrato didático poderão ser estabelecidas, para problemas abertos por exemplo, pode-se delimitar algumas regras, como:
- não terem vínculo com os últimos conteúdos estudados, evitando as regras de contrato didático já arraigadas;
- por estarem em um domínio conceitual familiar, os problemas abertos permitem que o aluno tenha condições de resolvê-los;
- por possuírem enunciado curto, os problemas abertos podem permitir ao aluno conquistar as primeiras idéias em um novo estudo;
- Isso pode dar a impressão, bem vinda, que o problema é de fácil solução, fazendo com que o aluno viva a necessidade da busca dessa solução;
- um problema aberto também possui uma ou mais soluções;
- pode ser trabalhado em grupo, evitando eventuais desencorajamentos, diminuindo o medo de não conseguir resolver, aumentando a chance de produção de conjecturas num intervalo de tempo razoável e possibilitando o surgimento de ricos conflitos sócio cognitivos.
Um problema aberto tem por objetivo permitir que o aluno desenvolva um processo de resolução de problemas que nós chamaremos "processo científico", ou seja, um processo no qual o aluno desenvolverá a capacidade de tentar, supor, testar e provar o que for proposto como solução para o problema, implicando uma oposição aos problemas fechados.
Mostrou que o professor não apresentou mudança significativa no seu comportamento em relação aos alunos. O que ele fazia nas sessões anteriores, dirigindo-se a um aluno, fez em relação ao grupo. Ele circulava pela sala e atendia ao grupo que o chamava; lia o enunciado; explicava o significado de termos e de figuras, quando 13 havia. E enfatizou, algumas vezes, nessas sessões, que queria saber como é que o aluno chegou à resposta; essa era uma nova regra de contrato didático. O fato dos alunos estarem em grupo, não pareceu alterar muito a interação entre eles. Não ocorreram conflitos sócio cognitivos em qualquer das sessões dessa fase. Não identificamos grandes alterações no contrato didático em relação aos problemas fechados. O que pudemos notar, durante as sessões, foram pequenas alterações, como: um maior tempo para a resolução em algumas sessões, busca de soluções por tentativas e, em alguns casos, resolução, sem recorrer, unicamente, aos números do enunciado. Essas alterações apontam possibilidades de mudança na negociação da resolução do problema entre o aluno e o professor.
Segundo a autora: "A cada novo conhecimento, o contrato é renovado e renegociado. Na maior parte das vezes, essa negociação passa despercebida. Assim, por exemplo, o contrato didático da aula de álgebra, não será o mesmo da aula de geometria. O professor poderá mostrar-se mais ou menos confortável com um determinado conteúdo e isso vai interferir no estabelecimento de regras explícitas e implícitas com o aluno. Essa disposição do professor em relação a um conhecimento permite-nos considerar a importância da noção de relação ao conhecimento no estabelecimento de um contrato didático."
Leitura complementar
Artigo de Guy Brousseau na Nova Escola.
Contrato didático: o "não dito" é essencial4. OSBTÁCULOS EPSTEMOLÓGICOS
Segundo Brousseau (1983) apud Almouloud (2010, p.133),
um obstáculo se manifesta através dos erros, cometidos não pela falta de conhecimento, mas por um conhecimento anterior que era suficiente, mas, em determinado momento, se revela falso ou inadequado em um contexto novo ou amplo. Podemos citar, por exemplo, os alunos saberem que a raiz quadrada de um número negativo não existe, porém, ao estudar o conjunto dos números complexos, eles passam a ver que esta raiz existe sim, no entanto, não está na abrangência dos números reais.
Porém, esse obstáculo não se dissolve com a aprendizagem de um novo conhecimento, ao invés disso, o aluno cria uma resistência à sua aquisição e compreensão. Os conhecimentos adquiridos anteriormente são locais, que é um conhecimento correto porém com limitações, o que muitas vezes dificulta o aprendizado de novos conceitos contrariando ou completando aquele anteriormente compreendido.
Para Brousseau (2008), existem diferentes tipos de obstáculos na didática da matemática:
- Psicológico: surge no momento em que a aprendizagem contradiz a crença do sujeito. Por exemplo: a lógica matemática (ferramenta produzida na ciência) não é a lógica da vida do dia a dia.
- Ontogênico: obstáculo já existente pelas limitações (neurofisiológicas entre outras) do sujeito no momento do seu desenvolvimento.
- Didático: são os obstáculos que dependem do processo de ensino e provocadas pela transposição didática, que o professor dificilmente poderá renegociar. Por exemplo: No ensino fundamental, um quadrado não é retângulo.
- Epistemológicos: são inerentes ao saber e podem ser identificados nas dificuldades que os matemáticos encontraram na história, para a compreensão e utilização desses conceitos. Como exemplo, Almouloud (2010, p.133) cita: A associação de zero com “nada”, provocando numerosos erros.
Na prática
Vamos utilizar aqui o exemplo trazido por Nascimento (2004), no seu artigo: "Explorando a reta numérica para identificar obstáculos em adição e subtração de números inteiros relativos."
O autor diz que até o 6º ano os alunos compreendem as operações:
a + b =
e
a - b =
desde que a > 0 e b > 0 quando tem-se a > b.
Essas operações são trabalhadas no início do Ensino Fundamental, sempre nesse formato. Porém, elas começam a se modificar no momento em que o professor inicia o ensino dos números inteiros relativos, e quando começam a mostrar existência de valores menores que zero.
Segundo o autor: "Nessa fase do ensino, um dos grandes problemas para a aprendizagem dos números inteiros relativos, o qual vem sendo investigado por pesquisadores em Educação Matemática é a introdução do conceito de número negativo. Várias pesquisas apontam as causas para tais erros cometidos pelos alunos quando realizam adição e de subtração com inteiros relativos."
No 7º ano do Ensino Fundamental, com a introdução dos números negativos, os professores percebem que os alunos não realizam as operações de adição e de subtração de forma satisfatória, em determinadas situações. Alguns apresentam dificuldades como:
• admitir que existe algo menor que zero;
• aceitar a representação do número -4, por exemplo, já que sua ideia de número está associado ao concreto, assim: Como pode existir –4 bolas?;
• realizar operações do tipo 3 - 5 = (se de três não se pode tirar cinco).
Percebe-se este, então, como um obstáculo epistemológico, já que historicamente os matemáticos também tiveram muita dificuldade em admitir os números negativos e a existência do zero.
Leitura complementar
Artigo de Ross Alves do Nascimento
EXPLORANDO A RETA NUMÉRICA PARA IDENTIFICAR OBSTÁCULOS5. SITUAÇÃO DIDÁTICA
Legenda: Triângulo
Fonte:https://moodle3.ifsc.edu.br/pluginfile.php/341042/mod_book/chapter/28617/triangulo.PNG
Para nortear a teoria das Situações Didáticas, Guy Brousseau propõe o triângulo didático (figura 1), composta por três elementos: Aluno, Professor e Saber. Ambos são partes da relação didática, que considera as interações entre professor e alunos, mediadas pelo saber, que determina a forma como tais relações irão se estabelecer.
Pommer (2008) salienta que de acordo com a teoria de Brousseau, "o contrato didático regula as intenções do aluno e do professor frente à situação didática. A mobilização do aluno em enfrentar o problema e a conscientização de que o professor não deverá intervir na transmissão explícita de conhecimentos para o aluno revelam pleno aceite do contrato didático. Além disso, o aluno é sabedor que o professor elaborou uma situação que ele tem condições e pode fazer, pelo menos em parte, pois esta é justificada pela lógica interna e pelos conhecimentos anteriores dele, não sendo necessário recorrer a qualquer intervenção didática do docente."
Assim, o aluno terá adquirido conhecimento se for capaz de aplicar sozinho o que aprendeu em situações fora do contexto do ensino, esta situação é chamada situação a-didática.
Para Brousseau, a situação a-didática é parte de uma situação mais ampla, que envolve as interações entre o professor alunos, definida como situação didática.
Assim, uma situação didática é: o conjunto de relações estabelecidas de forma implícita ou explicita entre aluno, meio a-didático e o professor, afim de que esses alunos adquiram um saber constituído ou em vias de constituição (BROUSSEAU, 1996a, p. 50).
Pode ser classificada nas seguintes fases:
- Fase a-didática: o professor permite ao aluno trilhar os caminhos da descoberta, não revelando ao aluno sua intenção didática, tendo somente o papel de mediador.
- Devolução: o professor cede ao aluno uma parte da responsabilidade pela aprendizagem, incluindo-o no jogo e assumindo os riscos por tal ato.
- Ação: o aluno reflete e simula tentativas, elegendo um procedimento de resolução dentro de um esquema de adaptação, através da interação com o meio, tomando as decisões que faltam para organizar a resolução do problema.
- Formulação: ocorre troca de informação entre o aluno e o meio, através da utilização de uma linguagem mais adequada, sem a obrigatoriedade do uso explícito de linguagem matemática formal.
- Validação: os alunos tentam convencer os interlocutores da veracidade das afirmações, utilizando uma linguagem matemática apropriada (demonstrações, provas).
- Fase didática:
- Institucionalização do saber: o professor retoma a parte da responsabilidade cedida aos alunos, conferindo o estatuto de saber ou descartando algumas produções dos alunos, definindo assim os objetos de estudo através da formalização e generalização. É na institucionalização que o papel explícito do professor é manifestado, o objeto é oficialmente aprendido pelo aluno e o professor reconhece tal aprendizagem.
Na prática
Exemplo - O jogo 'Corrida ao 20'
Este jogo foi citado por Pommer em seu artigo: Brousseau e a ideia de Situação Didática, e foi utilizado para retratar a Teoria das Situações Didáticas.
É um recurso didático interessante para ilustrar os conceitos desta teoria.
Trata-se de um jogo entre dois oponentes, onde um deles inicia escolhendo entre duas opções - o número 1 ou 2 - sendo que o adversário acrescenta mentalmente uma unidade ou duas, anunciando somente o resultado. O jogo prossegue alternadamente e vence quem obter primeiro o número vinte.
Após algumas partidas, pode-se constatar que a estratégia vencedora neste jogo consiste em utilizar inicialmente o número dois e escolher valores que resultem na sequência 2, 5, 8, 11, 14, 17, 20.
Quanto ao algoritmo vencedor, este é obtido pela divisão euclidiana do número 20 por 3, que resulta divisor 6 e resto 2, termo inicial da sequência otimizadora (Progressão Aritmética de razão 3 e primeiro termo 2). Assim, a utilização dos números 1 e 2 não é casual - são os restos possíveis para divisor 3 (número subsequente aos próprios valores 1 e 2).
Neste jogo, o jogador que inicia, se souber aplicar a estratégia descrita, sempre vence.
Vale observar que o jogo permite a abordagem em diferentes níveis do objeto matemático: divisão euclidiana (3º/4º ano do Ensino Fundamental- EF9) e Progressão Aritmética (1º/2º ano de Ensino Médio). Também, há a possibilidade de uma abordagem da seqüência otimizadora como uma função de 1º grau de variáveis inteiras (1º ano do Ensino Médio) e na linguagem da Congruência Modular (Ensino Superior).
A fim de aprofundar a análise matemática e ilustrar aspectos desta teoria, proponho uma questão. Um jogador deseja saber qual(is) valor(es) poderá escolher para realizar variações do jogo "corrida ao vinte" e sempre ganhar, mantendo os números 1 e 2 para início do jogo e a serem acrescidos.
O jogo evidencia uma situação a-didática (jogo), que sem a utilização de qualquer atitude didática (intencional) pode provocar mudanças na estratégia do jogador, cujo conhecimento a ser obtido é o próprio algoritmo otimizador. Além disso, Brousseau argumenta que este jogo possibilita uma situação fundamental, definida como uma situação a-didática que é capaz de promover a aquisição do conhecimento, que no caso é propiciar aos alunos o sentido do conceito de divisão.
As variáveis didáticas envolvidas são: o conjunto dos naturais, a escolha de um jogo para introduzir o objeto matemático, a realização do jogo em duplas, o número que o vencedor deverá alcançar (20 na 1ª modulação) e os valores a serem adicionados (1 ou 2).
O jogo corrida até o vinte ilustra as duas condições de pertinência da situação didática: pode ser comunicada sem a utilização do conhecimento (divisão euclidiana, progressão aritmética, função de 1º grau e congruência) e após as tentativas iniciais pode-se chegar a uma estratégia otimizadora de resolução baseada no conhecimento almejado.
Também, nas fases da situação a-didática (jogo), o papel do saber é delineado aos poucos, pois na etapa do jogo livre (ação pela ação) praticamente não há saber, visto que a estratégia de base prevista é a utilização da operação de adição. A busca pelo algoritmo promove uma evolução dos algoritmos locais (formulação) para a estratégia otimizadora (validação) e os objetos de estudo podem ser delineados.
6. REFERÊNCIAS
ALMOULOUD, S. A. Fundamentos da Didática da Matemática. Curitiba: Editora da UFPR, 2010.
BROUSSEAU, G. Introdução ao estudo da teoria das situações didáticas: Conteúdos e método de ensino. Tradução: Camila Bogéa – São Paulo: Ática, 2008.
CIVIERO, P. A. G.; SANT'ANA, M. de F. Roteiros de aprendizagem a partir da transposição didática reflexiva. Bolema, Rio Claro, v. 27, n. 46, p. 681-696, ago. 2013 . Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-636X2013000300022&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 19 dez. 2019.
MEDEIROS, K.M. O contrato didático e a resolução de problemas matemáticos em sala de aula. In: Educação Matemática em Revista, São Paulo, nº 9/10, p. 32-39, SBEM, 2001.
NASCIMENTO, R. A. Explorando a reta numérica para identificar obstáculos em adição, subtração de números inteiros. VII Encontro Nacional de Educação Matemática. Universidade Federal de Pernambuco, 2002.
POMMER, W. M. Brousseau e a ideia de situação didática. (2008). Disponível em:
VIEIRA, F. R. A. Didática da Matemática: semestre V / Francisco Regis Alves Vieira; Coordenação Cassandra Ribeiro Joye. - Fortaleza: UAB/ IFCE, 2011.