LIVRO 2 - METODOLOGIA DO ENSINO DA MATEMÁTICA

5. SITUAÇÃO DIDÁTICA

Conceito

Legenda: Triângulo

Fonte:https://moodle3.ifsc.edu.br/pluginfile.php/341042/mod_book/chapter/28617/triangulo.PNG

 Para nortear a teoria das Situações Didáticas, Guy Brousseau propõe o triângulo didático (figura 1), composta por três elementos: Aluno, Professor e Saber. Ambos são partes da relação didática, que considera as interações entre professor e alunos, mediadas pelo saber, que determina a forma como tais relações irão se estabelecer. 

 Pommer (2008) salienta que de acordo com a teoria de Brousseau, "o contrato didático regula as intenções do aluno e do professor frente à situação didática. A mobilização do aluno em enfrentar o problema e a conscientização de que o professor não deverá intervir na transmissão explícita de conhecimentos para o aluno revelam pleno aceite do contrato didáticoAlém disso, o aluno é sabedor que o professor elaborou uma situação que ele tem condições e pode fazer, pelo menos em parte, pois esta é justificada pela lógica interna e pelos conhecimentos anteriores dele, não sendo necessário recorrer a qualquer intervenção didática do docente."

Assim, o aluno terá adquirido conhecimento se for capaz de aplicar sozinho o que aprendeu em situações fora do contexto do ensino, esta situação é chamada situação a-didática.

Para Brousseau, a situação a-didática é parte de uma situação mais ampla, que envolve as interações entre o professor alunos, definida como situação didática.

Assim, uma situação didática é: o conjunto de relações estabelecidas de forma implícita ou explicita entre aluno, meio a-didático e o professor, afim de que esses alunos adquiram um saber constituído ou em vias de constituição (BROUSSEAU, 1996a, p. 50).  

Pode ser classificada nas seguintes fases:

  • Fase a-didática: o professor permite ao aluno trilhar os caminhos da descoberta, não revelando ao aluno sua intenção didática, tendo somente o papel de mediador.

- Devolução: o professor cede ao aluno uma parte da responsabilidade pela aprendizagem, incluindo-o no jogo e assumindo os riscos por tal ato.

- Ação: o aluno reflete e simula tentativas, elegendo um procedimento de resolução dentro de um esquema de adaptação, através da interação com o meio, tomando as decisões que faltam para organizar a resolução do problema. 

- Formulação: ocorre troca de informação entre o aluno e o meio, através da utilização de uma linguagem mais adequada, sem a obrigatoriedade do uso explícito de linguagem matemática formal.

- Validação: os alunos tentam convencer os interlocutores da veracidade das afirmações, utilizando uma linguagem matemática apropriada (demonstrações, provas).

  • Fase didática: 

- Institucionalização do saber: o professor retoma a parte da responsabilidade cedida aos alunos, conferindo o estatuto de saber ou descartando algumas produções dos alunos, definindo assim os objetos de estudo através da formalização e generalização. É na institucionalização que o papel explícito do professor é manifestado, o objeto é oficialmente aprendido pelo aluno e o professor reconhece tal aprendizagem.

 

 

Na prática

Exemplo - O jogo 'Corrida ao 20'

Este jogo foi citado por Pommer em seu artigo: Brousseau e a ideia de Situação Didática, e foi utilizado para retratar a Teoria das Situações Didáticas.

É um recurso didático interessante para ilustrar os conceitos desta teoria.

Trata-se de um jogo entre dois oponentes, onde um deles inicia escolhendo entre duas opções - o número 1 ou 2 - sendo que o adversário acrescenta mentalmente uma unidade ou duas, anunciando somente o resultado. O jogo prossegue alternadamente e vence quem obter primeiro o número vinte. 

Após algumas partidas, pode-se constatar que a estratégia vencedora neste jogo consiste em utilizar inicialmente o número dois e escolher valores que resultem na sequência 2, 5, 8, 11, 14, 17, 20.

Quanto ao algoritmo vencedor, este é obtido pela divisão euclidiana do número 20 por 3, que resulta divisor 6 e resto 2, termo inicial da sequência otimizadora (Progressão Aritmética de razão 3 e primeiro termo 2). Assim, a utilização dos números 1 e 2 não é casual - são os restos possíveis para divisor 3 (número subsequente aos próprios valores 1 e 2).

Neste jogo, o jogador que inicia, se souber aplicar a estratégia descrita, sempre vence. 

Vale observar que o jogo permite a abordagem em diferentes níveis do objeto matemático: divisão euclidiana (3º/4º ano do Ensino Fundamental- EF9) e Progressão Aritmética (1º/2º ano de Ensino Médio). Também, há a possibilidade de uma abordagem da seqüência otimizadora como uma função de 1º grau de variáveis inteiras (1º ano do Ensino Médio) e na linguagem da Congruência Modular (Ensino Superior). 
A fim de aprofundar a análise matemática e ilustrar aspectos desta teoria, proponho uma questão. Um jogador deseja saber qual(is) valor(es) poderá escolher para realizar variações do jogo "corrida ao vinte" e sempre ganhar, mantendo os números 1 e 2 para início do jogo e a serem acrescidos. 

O jogo evidencia uma situação a-didática (jogo), que sem a utilização de qualquer atitude didática (intencional) pode provocar mudanças na estratégia do jogador, cujo conhecimento a ser obtido é o próprio algoritmo otimizador. Além disso, Brousseau argumenta que este jogo possibilita uma situação fundamental, definida como uma situação a-didática que é capaz de promover a aquisição do conhecimento, que no caso é propiciar aos alunos o sentido do conceito de divisão.

As variáveis didáticas envolvidas são: o conjunto dos naturais, a escolha de um jogo para introduzir o objeto matemático, a realização do jogo em duplas, o número que o vencedor deverá alcançar (20 na 1ª modulação) e os valores a serem adicionados (1 ou 2). 

O jogo corrida até o vinte ilustra as duas condições de pertinência da situação didática: pode ser comunicada sem a utilização do conhecimento (divisão euclidiana, progressão aritmética, função de 1º grau e congruência) e após as tentativas iniciais pode-se chegar a uma estratégia otimizadora de resolução baseada no conhecimento almejado. 
Também, nas fases da situação a-didática (jogo), o papel do saber é delineado aos poucos, pois na etapa do jogo livre (ação pela ação) praticamente não há saber, visto que a estratégia de base prevista é a utilização da operação de adição. A busca pelo algoritmo promove uma evolução dos algoritmos locais (formulação) para a estratégia otimizadora (validação) e os objetos de estudo podem ser delineados.

 

Leitura complementar

Artigo de Wagner Marcelo Pommer.

  Brousseau e a ideia de Situação Didática